Aprendemos que o amor é vida. E que
esse mesmo sentimento nos mantém vivos e nos encoraja a levantar diariamente da
cama. Porém, e se esse amor fosse motivo para que não quiséssemos mais nos levantar
da cama ou, simplesmente, sair de casa para nada? Dessa forma, foi pensando
nessas questões que me peguei assistindo ao filme “Entre abelhas”, nova
produção nacional de Ian SBF e Fábio Porchat, ambos do canal Porta dos Fundos. E
é sobre esse tema, tão explorado ao longo dos séculos, que a trupe irá se
debruçar.
Todavia, não é mais um filme
clichê, no estilo carioca de se viver, sobre um dos sentimentos mais antigos da
humanidade. Por meio de uma tragicomédia bem amarrada, sentimos o gosto de
perder as pessoas que amamos e de nos sentirmos sozinhos, mesmo entre as
pessoas, ainda que não possamos enxergá-las (mas sabendo que elas estão ali), simples
abelhas nesse mundo, nessa grande colmeia em que vivemos.
Sendo assim, “Entre abelhas”
trata justamente desta temática: o amor. E este é inventado e reinventado à
maneira do autor e do protagonista, Bruno, interpretado por Fábio Porchat (ele
também assina o roteiro), que ainda não conseguiu passar pelo drama da
separação amorosa. Com isso, o ator e
comediante carioca dá vida a Bruno, um jovem adulto que acabara de ir morar no
sofá do apartamento de sua mãe, após sair da casa em que vivia com sua
ex-esposa. No entanto, ele não consegue esquecê-la e até tenta se reaproximar
dela inúmeras vezes durante o longa-metragem.
O filme se inicia num puteiro,
com o protagonista celebrando a separação e a nova vida, a de solteiro,
acompanhado de seus grandes amigos. Contudo, Bruno não parece feliz e tampouco
entusiasmado. Ele sente-se cabisbaixo, projetando seu olhar no horizonte, o que
faz com ele não veja diante de seus olhos a mudança que a vida lhe espera e
pode proporcionar. Assim, repara numa cadeira vermelha, a qual, para ele, seria
o real motivo da briga entre ele e sua ex-mulher.
Então, podemos afirmar que a cadeira
vermelha que Bruno tanto vê (e talvez o único objeto que ele consiga enxergar
ao longo de toda a trama) representa justamente um dos grandes problemas de um
relacionamento chegar ao fim: exatamente quando um parceiro não enxerga mais o
outro, levando aquele que é invisível a terminar o namoro, o noivado ou o
casamento. Logo, pensamos: o protagonista não enxergava mais a esposa em sua
vida, por isso, teoricamente, nada fez, anteriormente, para impedir o término
do relacionamento.
Ainda na mesma esteira, o
longa-metragem traz, metaforicamente, um paradoxo: inicia-se com o fim de um
relacionamento; e termina com o começo de outro. Talvez por conta disso, no meio
de tudo que ocorre em sua vida, ele vai perdendo todas as relações que possuía
com as pessoas que conhecia, inclusive com sua mãe e seu melhor amigo. Isso é mais
uma prova de que um relacionamento é feito de duas pessoas que se enxergam, se
tocam, veem num o reflexo do outro, o que Bruno perde ao logo do filme, até
acabar sozinho no Rio de Janeiro.
Além disso, o longa-metragem é
uma linda metáfora para o que já sabemos: quando estamos apaixonados ou amando
alguém, apenas enxergamos aquilo que queremos ver; quando somos enxotados,
então, da vida de quem amamos, com certeza não aceitamos essa dura realidade e
não conseguimos mais ver o mundo ao nosso redor. Dessa forma, não somos capazes
de mirar o horizonte ou aumentar nosso campo de visão, experimentando novas
sensações ou as mudanças que a vida pode trazer-nos. E é exatamente o que
acontece com Bruno. Por não desistir de sua vida com a ex-mulher, apenas quer
ver e ter contato com o mundo que imagina, que quer de volta, chegando ao ponto
de apenas avistar e tocar aquilo que quer.
Portanto, mesmo não sendo um
filme “cabeça”, mas tratando de forma bem profunda os dramas de quem ama, de
quem não aceita mudanças e apenas enxerga aquilo que quer ver, chegando ao
ponto de se desfazer dos relacionamentos que tem, com certeza, o filme é um bom
pedido. Claro, por se tratar de uma tragicomédia, há momentos de risos e
momentos sérios, que nos emocionam, pois são episódios que podem acontecer com
qualquer pessoa. Entretanto, vale o ingresso. Com isso, é uma boa maneira de
revermos alguns hábitos e muitas crenças que praticamos em relação a esse
sentimento nobre: o amor e suas relações com os seres humanos, principalmente
com aqueles que amamos.