sábado, 28 de maio de 2016

JOGO DO DINHEIRO


A corrupção tem de acabar. Político bom é político preso. Roubou, tem de pagar. Vamos prender todos eles. Vamos tirar o PT, o PSDB, quem for corrupto. Fora corrupção. Fora PT... Em tempos de corrupção no meio de tanta vida atribulada, corrida, na qual matamos um leão por turno, são falas iguais a essas que nos espreitam como a um predador vigia sua presa.
E, com essa vida materialista nos pressionando o tempo todo, não sobra um segundo que seja para pensarmos em nós, em nossos atos, em nosso comportamento como seres humanos. Não sobra um suspiro que seja para pensarmos no que estamos fazendo para mudar o mundo, para deixá-lo com um legado aproveitável por nossos netos e sobrinhos.
No entanto, o filme “Jogo do dinheiro” (curiosamente chamado no original de “Money monster”), estrelado por George Clooney e Julia Roberts, com direção assinada por Judie Foster (sim, a atriz de “O silêncio dos inocentes” e “Nell”) nos coloca diante de um tema extremamente discutido atualmente: a corrupção, principalmente aquela que envolve o dinheiro em altas quantidades. Contudo, vou além e digo que a película trata sobre o ser humano e de como a corrupção e nossos atos egoístas causam transtornos irreparáveis na vida de um indivíduo, levando-o até a morte. E, claro, sem nos esquecer, por meio do título, de que o dinheiro é o grande produtor de monstros sociais.
A história gira em torno dos personagens Kyle Budwell (Jack O’Connell) e Lee Gates (George Clooney), este o âncora de um programa televisivo com dicas de investimentos na bolsa de valores. Kyle, após receber uma herança pela morte de sua mãe e acreditando nos apontamentos do talkshow de Gates, aposta todo o montante recebido numa empresa (IBIS Corporation) que, após um erro de algoritmo, perde U$$ 800 milhões de dólares. Querendo se vingar de Lee pelo fracasso, o entregador entra no estúdio armado e promete acabar com a vida de todo mundo se não for lhe dada uma explicação sobre o sumiço do dinheiro. Contudo, o que as pessoas não sabiam é que esse sumiço não foi um erro de algoritmo, e sim algo bem maior do que se imagina.
Ao descobrir que o presidente da IBIS, Walt Camby (Dominic West), mentiu para sua equipe, o personagem de Clooney começa a se interessar pela história de Kyle e chega até a ajudá-lo, mas em vão. No entanto, conforme as informações vão brotando e sendo descobertas, Gates e sua diretora do programa, Patty Fenn (interpretada por Julia Roberts) levam ao público o poderoso esquema de corrupção armado por Camby, que desperdiçou todos os investimentos dos acionistas, por conta de interesses próprios.
O longa faz em seus 98 minutos uma crítica ácida aos comportamentos humanos. Há os que não se importam com o sujeito que perdeu tudo na busca por um sonho de poder ganhar mais dinheiro para dar uma vida melhor a sua namorada e ao filho que está a caminho. Também aparecem as pessoas que não têm sensibilidade nenhuma, compaixão nenhuma e espírito solidário nenhum ao não ajudarem Gates a fazer as ações da IBIS crescerem, para salvar a sua pele. Além disso, há os inúmeros “memes” feitos para o presidente da empresa, Walt Camby, que cai desajeitado por conta de um susto que leva de Kyle. Tudo isso demonstra o comportamento do ser humano que hoje não se importa com o próximo, vivendo num mundo onde tudo é motivo de espetáculo, o que é provado pela quantidade de espectadores ligados na televisão acompanhando o drama do âncora do programa, ou seja, vivemos numa sociedade do espetáculo, em que a vida alheia, ainda que em perigo, é mais interessante do que qualquer outra ação.
Ademais, há a presença da crítica à mídia, que manipula a massa, fato comprovado pela imagem que a mídia vai criando sobre o suposto vilão, Kyle, que, na verdade, é o anti-herói, pois ele é apenas um cara comum, trabalhador, que perdeu tudo e quer saber o motivo de ter sido enganado, mas que vai se transformando numa espécie de herói, uma vez causa uma comoção nos personagens, transformando-os. Somente no povo não causam comoção nenhuma, pois, após os eventos transmitidos, todos simplesmente saem da frente da televisão e retornam à vida normal, como se nada tivesse acontecido nada. Nos deparamos também com a transformação no personagem de Clooney, que muda sua afeição e parece atingir a redenção pelo o ocorrido com o Kyle e também pelo desapontamento com o mercado financeiro, ou, melhor, com as descobertas que fez sobre os seres humanos e seus comportamentos e como tem colaborado com isso. É uma espécie de mistura de realismo com romantismo, causando uma catarse que tira o telespectador do lugar, promovendo uma reflexão profunda acerca do comportamento humano na contemporaneidade, sobre quais são nossas prioridades, principalmente quando deixamos outras necessidades de lado para nos agarrar o ganho capital, nos transformando em monstros sociais que criam outros monstros à solta por aí (fazendo alusão o nome do filme, “Money monster”).
Por fim, uma das falas que resume o filme é a do vilão, o presidente da companhia, Walt Camby, quando afirma a Kyle que ele só estava ali reivindicando seu direito porque ele perdeu algo, ou seja, se ele tivesse ganhado alguma coisa, mesmo se outros tivessem perdido, ele não estaria ali, não se importaria. Isso denota bem a situação que vivemos no Brasil hoje, principalmente quanto à corrupção: enquanto eu levo vantagem com a corrupção, por menor que seja, está tudo bem; porém, se eu começo a ser prejudicado, não me interessa se outro está ganhando, eu quero meus direitos. E há mais uma cena, a do cameraman colocando a sua câmera no chão, de frente para o público, criando uma metáfora clara de que tanto a mídia quanto os meios artísticos, como o cinema, estão de olho, estão olhando, filmando as pessoas e, principalmente, o que se pode encontrar de errado no mundo para denunciar.
Dessa forma, percebe-se claramente com o longa-metragem uma crítica à individualidade das pessoas, à falta de bom senso, de compaixão, de solidariedade ao outro, pois só procuramos nossos direitos porque nos sentimos lesados, ainda que outros estejam se dando bem, além de um recado bem claro de que as câmeras e os meios de comunicação estão aí para prestarem serviço à comunidade.

domingo, 1 de maio de 2016

“SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMAL”, de Juan Pablo Villalobos



Para quem quer estudar um dos contextos históricos do México e, ao mesmo tempo, sociologia, na tentativa de descobrir culturas – como a gastronomia –, modos de vida, convívio social e também um pouco de política, trago uma dica de livro da literatura latino-americana, porém, a contemporânea.
O livro é do escritor mexicano, radicado no Brasil, Juan Pablo Villalobos. Seu primeiro livro, “Festa no covil”, trata da visão de seu país a partir do olhar de uma criança. Contudo, em seu segundo livro, intitulado “Se vivêssemos em um lugar normal”, publicado pela Companhia das Letras, o narrador, Orestes, mais conhecido como Oreo (igual a bolacha, mas amargo e de apenas um lado, a pobreza), é um adolescente relatando seu olhar diante da pobreza e da miséria, que na narrativa é mostrada por meio da luta de classes entre sua condição paupérrima – marcada pela distribuição das quesadillas por sua mãe – e seus vizinhos ricos – que constroem uma enorme casa ao lado do barraco da família do narrador.
Além disso, também aborda a questão política – que assolada todo o país com casos de corrupção e governos sem sucesso, de mandos e desmandos, levando todo o povo à pobreza – e a própria relação familiar – fazendo com que o narrador tenha pensamentos cruéis, como desejar que alguns dos seus irmãos desapareçam para sobrar mais quesadillhas e tortillas para ele. Fato este que, realmente, acontece, pois dois irmãos gêmeos desaparecem num supermercado. A partir disso, Oreo e outro irmão, Aristóteles, saem em busca dos gêmeos intitulados “de mentira”, pois acham que foram abduzidos por extraterrestes.
Com essa história muito bem amarrada, trazendo uma linguagem inovadora – usando e abusando, inclusive, de palavrões –, misturando vozes de personagens com a voz do narrador, além de trazer as falas dos personagens de forma bem dinâmica, reproduzindo a dinamicidade da novela, ou seja, tudo corre de forma bem natural na narrativa do mexicano, é possível enxergar um panorama do México. Esse tipo de linguagem nos prende nas histórias do narrador-protagonista, fazendo com que estejamos sempre atentos à narrativa e nos dê a impressão de que há um contador de histórias bem ao pé do nosso ouvido. Sendo assim, o escritor demonstra seu país de forma que todo contexto define a sociedade mexicana nos anos 1980, época na qual se passa o romance.
Quanto aos capítulos, são poucos, cerca de 9 (nove), mas de tamanho medianos (em torno de 10 a 20 páginas), o que fazem com que a leitura seja executada de forma corrente (como pequenos contos) e que não se torne entediante. “Se vivêssemos em um lugar normal” é uma boa dica para aqueles que pretendem ler uma narrativa sobre o México, descobrindo a cultura da sociedade, mas percebendo que os problemas, tanto do país quanto dos personagens, que permeiam toda a consciência do narrador, o jovem Orestes, são os mesmos que pairam sobre a cabeça de qualquer menino pobre em qualquer lugar no mundo, seja no Brasil, seja na África, seja na Europa. Ademais, o livro traz referência à cultura grega, a inúmeros ditos populares etc. Os próprios nomes dos personagens foram dados em homenagens a personagens da cultura grega, demonstrando que a família é a representação da tragédia grega, isto é, o fato de a família estar ali já é uma grande tragédia, mas uma tragédia que insiste em viver ou mais especificamente: sobreviver.
Portanto, se quer descobrir o México de forma diferente, a partir do olhar de um adolescente pobre, com os desejos reprimidos e com a individualidade já aflorando – marca registrada de nossa sociedade contemporânea –, o romance do mexicano Villalobos mostra-se como uma boa pedida e uma dica que pode ser, inclusive, passada adiante e que, com certeza, irá fazê-lo aprender e se divertir ao mesmo tempo.